Patagônia

AHONIKENK, A GENTE DO SUL

Sustentando montanhistas durões, gaúchos indomáveis, corações indígenas, erradicados desajustados e mochileiros hippies, existe um sentimento. Algo intangível, difícil de explicar, como qualquer amor de verão, mas que reside no ar gelado do extremo sul.

Há dez mil anos, depois de percorrer todos os cantos desse planeta, o homem chegou à parte mais austral da América e se deparou com o fim da linha. Uma terra inóspita, extrema, ímpar. De lá pra cá, superando os adjetivos contrários ao que se esperava desse fim de mundo, centenas trabalharam para deixar super bem documentado o quanto é uma terra bela e encantadora. Obviamente, não seremos nós os desmancha-prazeres afirmando o contrário. É mesmo um espetáculo, o paraíso. Mas a pergunta é: e o que mais?

Há alguns anos, quando ainda sequer imaginávamos nos chamar de amigos, enquanto um de nós pedia carona pelo deserto que separa Buenos Aires da porta de entrada à Antártida, os outros dois sambavam pelas estradas de neve pilotando um carro 1.0 pela mesma faixa de terra gelada. Sem saber, nos apaixonamos ao mesmo tempo pela mesma garota.

Patagônia.

Um lugar que aportamos para nunca mais sair. Podemos dizer que ainda não residimos nela, mas ela já mora em nós. O som do vento no alto das montanhas, o barulho da correnteza dos rios azuis, a harmonia dedilhada no violão, o mate compartilhado e o Fernet misturado ao gelo desprendido dos glaciares. O conjunto de uma obra lapidada pelos caprichos da natureza e regida por aqueles que têm o coração aquecido, mesmo sob fortes nevascas.

Essa é uma viagem por um deserto de ventos cortantes que esbarram na cordilheira. Um itinerário pelas fronteiras de um azul puro, geleiras que emolduram vales de rochas esculpidas e a beleza da vida selvagem. Uma emboscada antes da grande barreira de gelo, percorrendo quilômetros de terreno difícil até os confins do dito “fim do mundo”.

Mas é também uma jornada de mãos dadas com aqueles que fazem desta região tão isolada, um lugar tamanho acolhedor. Gente que decidiu renunciar a muita coisa, viver no meio do nada em prol de sua liberdade e de uma sensação. A Patagônia também são eles.

Por nós, cidades como Ushuaia e vilarejos como El Chaltén e El Calafate compõem e detém o título de “lugar mais bonito do mundo”, mas, francamente, isso não se apoia apenas no pano de fundo extraordinário. Elas pertencem a um sentimento, um amor e uma troca.

E para explicar isso não há outro jeito. É preciso preencher o pulmão com a fumaça da fogueira enquanto ouve lendas contadas por um velho amigo Mapuche, navegar com jovens lobos do mar por águas turvas atrás de baleias e se deixar confiar e carregar pelas trilhas improváveis de escaladores de ressaca. A Patagônia, a nossa Patagônia, definitivamente, não é um lugar.

Obs.: ou claro, você também pode escolher uma agência de viagem com tours engessados que seja sua babá; ou até, quem sabe, ir com influenciadores marujos de primeira viagem que nunca estiveram na região. Em ambos os casos você irá visitar lugares bem bonitos, conseguirá tirar umas selfies bacanas e poderá copiar e colar um texto genérico com hashtag gratidão para o seu feed. A escolha de conhecer a Patagônia ou de só ir passear por lá é sua. Cada um com suas prioridades.